sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Derrocado

E sentado aqui, no meio do nada, subo meus olhos para cima: vejo o céu azul e imenso. Analiso ele debaixo, ele me olha de cima.
Sinto o seu cheiro em cada movimento que minha mente prevê para os próximos segundos - principio a sentir a nossa febre... mas esta desapareceu.
Não estou sozinho. Tenho muito de você em todo o meu Ser e me questiono em muitos instantes qual é a minha dimensão exata. Não sei onde começo e nem onde termino.
Você em mim. 
Sou mais que eu era e não sei minhas medidas.
Perdi-as como se perde objetos.
Estou tonto. A claridade desse azul me atormenta.
Levantar do chão requer a mínima noção do espaço que ocupo.
Não sei minhas medidas.
E a cada dia se torna mais impossível o "levantar-me".
Não existem apoios seguros.
Quero tocar o céu. Quero que esse azul, mesmo angustiante, possa me ajudar.
Não o alcanço, estou longe.
Longe de todos.
Você nao chegará. Não me levantarei.
Que caminho é esse?
Não é um caminho, penso.
És do mundo. Sou seu.
Não estás comigo.
Não tenho nada.
Mas conto ainda com o azul, mas imagino que logo ele desaparecerá dando lugar a escuridão da noite.
Temo pelo que possa acontecer. Quero ter a sorte de contar com as estrelas.
Me contaram outro dia que elas aparecem no céu todas as noites.
Sou temeroso. Não conheço a noite, apenas o que me contaram sobre ela.
Há, portanto, em mim, a esperança de poder contar com as estrelas.
Aqui, espero a noite.
Imóvel debaixo do azul.
Imóvel no chão.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Para você...

Deixo você pro seu drink esquentar
Meio álcool, meio água, meio gelo que já derreteu
Deixo a canção pro cigarro engasgar
E a minha lembrança estar
Deixo você pra quem quiser ser teu
Pra amantes desbotados que não ardem como eu
Deixo tua cama quente pro teu sexo triste
Pra que nunca esqueças
O que de mim restou
Vestido pelo chão
Enquanto te embriagas entre uma ilusão e outra
Mas sei quando vem esse sol despertar tua manhã ao meio dia
Tua ressaca tem o gosto da minha boca



Ressaca
Filipe Catto

Doce Caio - Quase novembro, a ventania de primavera levando para longe os últimos maus espíritos do inverno

Ter que atravessar os gelos de julho para chegar despedaçado em agosto e, a partir de setembro, tentar reunir os cacos outra vez. Porque guardar roupa velha dentro da gaveta é como ocupar o coração com alguém que não lhe serve.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

13 set 2011

Hoje é um dia especial. Meu grande amor está de aniversário, escrevi-lhe uma carta noturna para lembrar-lhe o quanto é especial na minha vida e, assim que o dia nasceu, peguei meu iPAD e fui para a janela. Queria fotografar o dia surgindo no horizonte e depois mandar-lhe para que pudesse perceber o presente que os Céus estavam a enviar-lhe.
O Sebastian, COMO SEMPRE se meteu no meio... 
E não é que a foto ficou legal? Não queria postar porque não está TÃO boa assim e eu como fotógrafo sempre deixei muito a desejar - sinal de que, pelo menos, sei o que é uma foto boa.
Enfim...



Malditas tardes de verão


Não tenho muitas lembranças alegres da minha adolescência, mas certamente, nessa fase da minha vida, não houve nada mais triste que os fins de tarde no verão.


Eu nao sei explicar. Contudo, lembro que eu sentava na frente da minha casa e ali permanecia até o anoitecer olhando para a rua. Era uma espécie de ritual: chegava da escola as 17h15, largava meus livros, comia alguma coisa, vestia uma roupa "fresca" - ou nao tão fresca assim porque nessa época eu nao usava camisas com mangas curtas - e me sentava na calçada que rodeava toda a frente da minha casa e, descalço, colocava os pés na grama. Dali eu olhava para a rua cheia de pessoas felizes e entusiasmadas andando sempre em grupos e com ares de que estavam fazendo algo que as deixava iluminadas e, ao mesmo tempo, me entristecia. Eram cheias de si, cheias de vontade de viver. Riam, gritavam, estavam de mãos dadas, eram amigas, eram namorados, eram irmãos, eram felizes. Eu pensava no meu futuro, eu pensava se algum dia sairia na rua sem camiseta, de mãos dadas, rindo do nada e despreocupado com o Sol ou a poeira da rua que era tão imensa quanto os sorrisos estampados naquelas caras. Eu pensava que, talvez, por algum motivo, eu nao tinha sido escolhido por Deus para estar ali em meio a eles e que, provavelmente, jamais conseguiria me juntar a essa multidão que por vezes pensei que existia apenas por um intuito: me fazer ver o quanto eu era triste.


Por outro lado, o frio das lajotas da calçada na minhas pernas e as cócegas da grama nos meus pés me causavam uma leve e boa sensação de aconchego e acolhimento. Era, de fato, a única coisa realmente boa de sentir naqueles dias; a única coisa que valia a pena em meio àquele calor tropical poeirento e bufante e àquelas pessoas imensamente felizes, suadas e diferentes de qualquer coisa que eu poderia pensar em ser.


Agora, tanto tempo depois, eu sinto medo. Sempre que setembro chega na 2ª quinzena e o calor começa a fritar as pessoas, eu peço a Deus que o Sol nao me entristeça como naquelas tardes, porque aqui onde estou nao encontro grama e acredito que poderá ser o meu fim se a poeira, as pessoas e o calor se unirem mais uma vez contra a minha solidão.






quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O Preço da Honra

As coisas que mais ocorrem na vida e são tidas pelos homens como o supremo bem resumem-se, ao que se pode depreender das suas obras, nestas três: as riquezas, as honras e a concupiscência. Por elas a mente se vê tão distraída que de modo algum poderá pensar em qualquer outro bem. Realmente, no que tange à concupiscência, o espírito fica por ela de tal maneira possuído como se repousasse num bem, tornando-se de todo impossibilitado de pensar em outra coisa; mas, após a sua fruição, segue-se a maior das tristezas, a qual, se não suspende a mente, pelo menos a perturba e a embota. Também procurando as honras e a riqueza, não pouco a mente se distrai, mormente quando são buscadas apenas por si mesmas, porque então serão tidas como o sumo bem. Pela honra, porém, muito mais ainda fica distraída a mente, pois sempre se supõe ser um bem por si e como que o fim último, ao qual tudo se dirige.
Além do mais, nestas últimas coisas não aparece, como na concupiscência, o arrependimento. Pelo contrário, quanto mais qualquer delas se possuir, mais aumentará a alegria e consequentemente sempre mais somos incitados a aumentá-las. Se, porém, nos virmos frustrados alguma vez nessa esperança, surge uma extrema tristeza. Por último, a honra representa um grande impedimento pelo facto de precisarmos, para consegui-la, de adaptar a nossa vida à opinião dos outros, a saber, fugindo do que os homens em geral fogem e buscando o que vulgarmente procuram. 

Baruch Espinoza, in 'Tratado da Correcção do Intelecto'

Igualdade não é Identidade

Combaterei pelo primado do Homem sobre o indivíduo - como do universal sobre o particular. Creio que o culto do universal exalta e liga as riquezas particulares - e funda a única ordem verdadeira, que é a da vida. Uma árvore está em ordem, apesar das raízes que diferem dos ramos. 

Creio que o culto do particular só leva à morte - porque funda a ordem na semelhança. Confunde a unidade do Ser com a identidade das suas partes. E devasta a catedral para alinhar pedras. Combaterei, pois, todo aquele que pretenda impor um costume particular aos outros costumes, um povo aos outros povos, uma raça às outras raças, um pensamento aos outros pensamentos. 

Creio que o primado do Homem fundamenta a única Igualdade e a única Liberdade que têm significado. Creio na Igualdade dos direitos do Homem através de cada indivíduo. E creio que a única liberdade é a da ascensão do homem. Igualdade não é Identidade. A Liberdade não é a exaltação do indivíduo contra o Homem. Combaterei todo aquele que pretenda submeter a um indivíduo - ou a uma massa de indivíduos - a liberdade do Homem.

Creio que a minha civilização denomina «Caridade» o sacrifício consentido ao Homem para que este estabeleça o seu reino. A caridade é dádiva ao Homem, através da mediocridade do indivíduo. É ela que funda o Homem. Combaterei todo aquele que, pretendendo que a minha caridade honre a mediocridade, renegue o Homem e, assim, aprisione o indivíduo numa mediocridade definitiva. 
Combaterei pelo Homem. Contra os seus inimigos. Mas também contra mim mesmo. 

Antoine de Saint-Exupéry, in 'Piloto de Guerra'

O Engano da Bondade - Pablo Neruda

Endureçamos a bondade, amigos. Ela também é bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os bichos: também é bondosa a chama nas selvas incendiadas para que os arados bondosos fendam a terra. 
Endureçamos a nossa bondade, amigos. Já não há pusilânime de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de intenção subterrânea e gesto condescendente que não leve a bondade, por vós outorgada, como uma porta fechada a toda a penetração do nosso exame. Reparai que necessitamos que se chamem bons aos de coração recto, e aos não flexíveis e submissos. 
Reparai que a palavra se vai tornando acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade das vossas palavras foi sempre - ou quase sempre - mentirosa. Alguma vez temos de deixar de mentir, porque, no fim de contas, só de nós dependemos, e mortificamo-nos constantemente a sós com a nossa falsidade, vivendo assim encerrados em nós próprios entre as paredes da nossa estuta estupidez. 
Os bons serão os que mais depressa se libertarem desta mentira pavorosa e souberem dizer a sua bondade endurecida contra todo aquele que a merecer. Bondade que se move, não com alguém, mas contra alguém. Bondade que não agride nem lambe, mas que desentranha e luta porque é a própria arma da vida. 
E, assim, só se chamarão bons os de coração recto, os não flexíveis, os insubmissos, os melhores. Reinvindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, serão o braço da vida e os ricos de espírito. E deles, só deles, será o reino da terra. 

in "Nasci para Nascer"