sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Um Pessoa para embelezar a vida


Eu não possuo o meu corpo - como posso eu possuir com ele? Eu não possuo a minha alma - como posso possuir com ela? Não compreendo o meu espírito - como através dele compreender?
Não possuímos nem o corpo nem uma verdade - nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões, e a nossa vida é oca por fora e por dentro.
Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu?
Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu.
Quando outrem possui esse corpo, possui nele o mesmo que eu? Não. Possui outra sensação.
Possuímos nós alguma coisa? Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?
PESSOA, Fernando, "O Livro do Desassossego".

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Sem fantasmas

Sentiu-se sozinho. Sempre soube sobre seu estado de solidão. Era um estado de espírito consciente. Contudo, contava com seus fantasmas costumeiros. Porém naquela noite sabia mais do que nunca que estava sozinho. 
Ouvia latejos do silêncio pularem das paredes de madeira que o cercavam acertarem em cheio suas extremidades e sua alma. Seus fantasmas o haviam abandonado. 
Pensou se poderia mudar o frio que o envolvia: telefone, email, cartas, filmes. Não conseguia alcançar nada disso para senti-los. Disse para si mesmo:
- Que minh'alma nao durma por completo. Teve, pela primeira vez em vida, o temor da morte. Buscou ressuscitar o pouco que notava e acreditava ainda existir. 
Em vão. Tudo em vão.
Amou muitas vezes.Ouvira, ao longo dos anos, os melhores conselhos dos melhores amigos. 
"Ame sempre e não perca a esperança de ser feliz", dizia-lhe um amigo.
"Não se permita desacreditar num mundo de paz e plenitude", ensinava-lhe outro.
Acreditou no bem, na paz, na justiça. Sabia que seu ser era feito para o bem, para acreditar na vida com entusiasmo e esperança. Doou-se aos sentimentos nobres de coração.
Escreveu cartas de amor e amou muito. Amou seus amigos, seus irmãos, a vida, os fins de tarde, os inícios dos dias, o Sol. Foi um ser de luz que transcendeu.
Arrancaram-lhe pedaços.
Desafiaram sua fé em Deus.
Derrubaram-no ao chão.
Levantou.
Mas levantou tantas vezes...
Voltou a acreditar.
Voltou a crer nos melhores conselhos.
O tempo começou a diminuir os dias e encurtou o brilho do Sol.
Jogou-se sobre o bruto concreto dos dias cinzas e passageiros.
A míngua começou dilacerar-lhe.
Fechou-se.
Provou da realidade feia do mundo.
E o que restou-lhe de tudo isso?
O choro inconformado transfigurado na magreza, nas profundas olheiras e no amarelo pálido que lhe tingia toda a pele.
Estava só e sentia medo.
Medo de tudo.
Medo de todos.
Medo do que a vida tinha lhe mostrado e lhe arrebentado.
Estava só.
Tinham-lhe duramente cortado os galhos verdes.
Sombrio e sem fantasmas deitou-se na cama.
E o barulho da queda nao o despertou.
Atritou contra o colchão apodrecido.
Sentiu o apodrecimento ao seu redor e 
percebeu que as lágrimas também já lhe eram companheiras.
Pôs-se ao nada.
E sozinho permaneceu.

 







segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Que não me falte o delicado essencial

Há menos de 48h de completar 24 anos estou em meu quarto e sinto. Sinto tanto como me é de costume com o acréscimo de que excepcionalmente hoje decidi deixar-me sentir, mas sem limites, regras e temores. Há menos de uma hora sonhei com uma antiga colega do colegial que vi passar na rua 3h mais cedo. Acenei para ela.
Dos meus sonhos fui para tantos lugares, de cima desse colchão barato com cinza de cigarro e vômito de absinto, dos tempos em que fumava e bebia, senti em vidas que são apenas minhas coisas das quais não quero esquecer jamais e menos ainda contá-las. Penso que nesses dias em que me sinto sentindo de verdade me fecho e não quero que saibam nada sobre mim. Não conto. Não saio de casa. Fecho meus olhos e vou para esse oceano brilhante e azul que existe dentro de mim. O sono durou pouco mas estive em muitos lugares e quando acordei decidi continuar a navegar nesse oceano do espírito que somos todos nós em essência.
Incensos, rituais xamânicos, danças difusas e longínquas dentro do que sinto. O Sebastian não deixou barato. Estamos tão ligados que ele dormiu comigo e quando acordamos sentou-se na janela e ficou admirando a Lua cheia e os grunhidos da noite. Ele é tão perceptivo que ás vezes até me assusto. Deve estar há anos luz de muitos outros seres. Abracei-o tantas vezes na janela que já perdi as contas. Estou feliz. Daquela felicidade que preciso prender a respiração para não chorar sempre que encontro um conhecido na rua e dou-lhe um abraço. 
Estou me preparando para daqui a 48h quando estarei na casa de minha mãe com as pessoas que mais amo e que estão mais fáceis de serem abraçadas daqui a 48h.
Meditei depois de acordar. E ao entrar no meu oceano interior percebi que ele se transfigurava no mundo, nesse mar de sentidos e verdes que é o mundo de todos nós. Estive em mim mas estive em todos. Estive em tudo. Senti tudo. O bem, a paz, o amor, a misericórdia, o perdão e a gratidão estiveram comigo. Agarro-me no que me fortalece, faço minha essência – a que julgo ter – progredir. 
Sou forte e posso ajudar. 
Sou sozinho mas estou em tudo o que amo. E amo tudo o que posso sentir e tocar. Profundo é tudo aquilo que sentimos e tocamos com o oceano que somos.
Transbordar nisso é exercer o poder de sentir que há um Deus ou que eles são muitos e estão todos aqui dentro, dentro de mim e de tudo. Planar. Voar, subir, adentrar. São muitas as portas do bem e para elas é bom rumar sempre que pudermos.
A noite, o verde, os assovios desvairados. Os deuses, o amor, o azul, a consciência de um estado de espírito maior que tudo o que vemos. Milhões de seres, formas e ventos. Tudo aqui lindamente guardadinho. Como posso eu não tocar no que sou?
Esqueço do que nao sou mas sei que sou tudo.
Estabeleço com todas essas coisas uma junção com minha alma, meus amigos, meus amores e essa coisa incrível que chamamos de vida, de Ser.
Ser para Ser. Ser para Ser mais, Ser para se permitir nas profundezas da alma do Ser.
Uma luz sobe acima de minha cabeça. Estou acordado. Posso vê-la. Me traz ainda mais paz interior e multiplica minha fé nesse dom que é o Sentir com o espírito. Algo lindo se manisfesta aqui. Sai do que sou, do meu sentir. Há, também, um estranho, tímido e bonito calor em tudo o que me cerca. É bonito e se mostra como uma extensão do que sonhei, vi e vivi.
Ovelhas, pássaros, pessoas. Tudo está aqui comigo e com essa vastidão de luz que todos trazemos dentro do que somos.
Senti e sinto.
Não quero descrever nada.
Quero apenas sentir.
Que não me falte o delicado essencial. Que não me falte o eu.
Começa ventar e já não sei mais onde estão os limites do meu eu e nem dessas partículas e átomos que são o mundo e as coisas. Estou nisso e isso está em mim.
Sou tudo.
Sou completo.
Pelo sentir eu sou.