quinta-feira, 14 de julho de 2011

SOBRE PEDIR O QUE NÃO É PARA NÓS

Esperava alguém. Esperava algo. Esperava o grande, aquilo que entraria na minha vida numa tarde de outono e me traria tudo o que a vida – ou os meus sentidos – nunca haviam me concedido. Diversas vezes me fiz de crente e, com muita fé, pedi para o destino trazê-lo assim que pudesse. Estava vestido de urgência, afinal tudo em mim dependia de sua chegada. Passaram-se anos e não veio. Busquei, então, algo que pudesse suprir meus dias enquanto ele se preparava para vir. O resultado dessas buscas paliativas foi derradeiro para o pouco que eu era sem ele. 

Mergulhei em trevas de tristeza e ouvi gritos mudos iguais àqueles que ouvimos em cerimoniais fúnebres. Lembro-me que, quando criança, na capela do bairro em que morava, o velório de uma senhora que havia tirado a própria vida com uma cordinha de estender roupa, produzia aos que se despediam de seu corpo enrugado e de um azul quase roxo e com olhos que, apesar de fechados, sabia-se que seus globos oculares estavam querendo saltar do lugar onde se encontravam, um sentido que não era desse mundo. Moribundo e consciente do estado de podridão; o frio noturno de uma montanha deserta; o desejo de correr quando preso a um corpo sem movimento: situações que, nem de longe, poderiam se igualar à angústia e à agonia que se sabia, pelos sentidos, existir naquela capela. Um ser de poder como o Sol, se colocado em meio àquela escuridão compartilhada, não devolveria vida, se quer, à poeira solta pelos calçados de quem ali se prendeu. 

Eram meus dias verdadeiros choques fúnebres quando minhas percepções concordaram que ele poderia não vir. Meus finais de tarde se tornaram outonos tristes. Nevoeiros na escuridão gélida de uma madrugada me chamavam para si tal como as terríveis forças do inferno atraem àqueles que queimarão na eternidade suas almas. Desiludido e sem a força vital chamada esperança pensei que em meu ser todo o inferno afinal entraria. Horror, forçado, empurrado, achatado. Suficientemente sem forças fui levado ao buraco negro da vida que, nessa fase,  havia se tornado muitas coisas, menos algo que pudesse se aproximar do que se entende por vida – era, portanto, um buraco mais de morte do que de vida. 

Bloco negro. Dor de morte. Tormeto. Desespero. Tremia ao pensar que um dia teria que abrir a porta de minha casa e ver a claridade do dia. Estava apodrecido em cima de minha cama. Fedia. Comi restos de cigarros e talvez de vermes que se criavam na sujeira amontoada nos cantos de minha escuridão de alma e do ambiente onde estava. Não sei se dormia e tinha pesadelos ou se havia me tornado um pesadelo. Quem sabe uma forca feita de cordinha de estender roupa pudesse acalmar-me? Já estava num caixão, já estava coberto de um azul quase roxo. Os choques fúnebres já não aconteciam com pausas mórbidas de silêncio, eram contínuos. Era um espírito enlouquecido e esquecido até mesmo por si próprio. Golpeado na morte pelo sentido da morte numa morte que insistia em não encontrar o fim para o seu sofrimento. Já queimava no inferno e tinha sangue escorrendo no rosto suado pelas fogueiras de Satanás. Sentia ser como aqueles que, por terem vidas tortas, encontraram na eternidade o pior dos castigos e, ao lado do Diabo, permanecem para sempre. 

Não havia força para uma ação. Não havia força para desafundar do crepúsculo da alma onde estava. Havia pesos e absurdos que me prendiam fortemente ao ponto onde estava. Meus outonos de espera trataram de, nalgum ponto do Universo, pregar meu caixão. Era ali que estava. Preso numa tumba especialmente elaborada para findar-me sem admitir reação. Lembrei de meu problema no princípio: esperava a chegada dele. No lugar onde agora estou já não sei mais o que esperar.  estava na eternidade e os rumores cobertos de escuridão diziam-me que essa eternidade era a mesma daqueles que haviam tido vidas tortas. O Diabo ria de minha desgraça. Permanecia então apenas a dor que já não matava nem destruía. Era secular e mais terrível que a incapacidade de não poder intervir na própria existência para dissipa-la. Pensei então que se pode dissipar uma cordinha de estender roupa com uma faca. No entanto, no que eu era não havia o que dissipar, mas sentia que meu interior continuava, como que forçado a uma reação em cadeia, a aumentar a dor. Não havia fim e nem a possibilidade do regresso.  

Perdi meu entardecer esperançoso e minha ânsia era, portanto, de morte em vida e tão forte quanto à morte morrida. 

“... e ainda que o trem se mova tu nao te mover de ti"


Outubro/2008

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